Afinal, que meia é essa?
POR MÁRCIO
DEDERICH
Meia elástica sempre foi
coisa de mulher grávida. Ou então de gente que trabalhava em pé durante muito
tempo. De uns anos para cá, usadas como auxílio ergogênico para aumentar o
desempenho esportivo de atletas, elas passaram a ser vistas também nos campos de
futebol, nas quadras de basquete, em triatletas, ciclistas e até em campos de
golfe. Entre corredores a “garota-propaganda” é Paula Radcliffe, a melhor
maratonista do mundo.
Atual recordista mundial de
maratona (2:15:25, Londres 2003), Paula começou a usá-las na temporada 2000. Da
cor da pele e do tipo três quartos (vão até abaixo do joelho), as meias
esportivas de compressão passaram a fazer parte do visual da campeã. Segundo
seu próprio depoimento, ao usar as meias durante a fase de testes, ela percebeu
uma grande diferença após as corridas mais exaustivas, tanto nas pistas como
nas ruas. Suas panturrilhas ficavam menos propensas ao enrijecimento e a
recuperação era mais rápida. "As meias de compressão ajudam meu sistema
linfático a drenar o ácido lático do sangue e das pernas", disse em
entrevista à CNN/Sports Illustrated, em agosto de 2001.
Quatro anos depois,
comentando para a BBC o uso das meias por Paula, o cientista esportivo Nick
Morgan, do Centro de Performance Humana e Lesões Esportivas de Lilleshall,
Inglaterra, afirmaria que graças a elas a produção de ácido lático já não era
mais um problema para os maratonistas, e que sua contribuição para a
recuperação pós-prova da atleta era notável. Na mesma oportunidade o treinador
Fred Wooding (então com 40 anos de experiência) afirmou que as meias de
compressão eram um recurso particularmente importante para Paula nas provas de
longa duração.
Será a verdade de Paula
Radcliffe válida para os demais corredores mundo afora? Serão as meias de
compressão benéficas a todo e qualquer corredor? Trarão elas resultados
positivos em todos os tipos de prova? O assunto é polêmico e bastante
controverso. Confira a seguir.
Fisiologia das corridas. Antes de começar a falar a
respeito das meias de compressão, é interessante refrescar um pouco a memória
com relação ao trabalho de um ponto do corpo humano diretamente envolvido na
corrida: a panturrilha.
O coração é o responsável
primário pelo bombeamento do sangue, que logo a seguir será distribuído por
todo o corpo pelo sistema arterial. Cabe ao sistema venoso, cuja principal
estrutura são as veias, captar e trazer o sangue de volta ao coração. Depois de
oxigenado nos pulmões, um novo ciclo irá se repetir. As veias, por sua vez,
possuem válvulas direcionais. São essas válvulas que orientam o fluxo sangüíneo
para cima, já que pela ação da gravidade a tendência normal do sangue seria
acumular-se em baixo.
A cada passada, ao se
contrair e relaxar, os músculos da panturrilha atuam pressionando as veias,
ajudando a forçar a subida do sangue de volta ao coração. Na prática e em
termos simples, operando em conjunto com outras partes do corpo, a panturrilha
funciona como uma espécie de bomba secundária de recalque do sangue venoso. É
isso.
A ação das meias de
compressão. Como
peça do vestuário, a função primordial das meias é proteger. Mas meias de
compressão não se satisfazem com tarefa tão banal. Vão além. Fazem algo mais.
"Ao mesmo tempo em que comprimem, elas atuam massageando os músculos. A
combinação dessas duas ações com outras faz com que a bomba venosa muscular da
panturrilha opere de forma mais eficiente. Assim, além de estimular a volta do
sangue ao coração, as meias de compressão trabalham aumentando efetivamente o
volume desse retorno", afirma o médico Marcondes Figueiredo.
Doutor pela Universidade
Federal de São Paulo (UNIFESP) e especialista em Angiologia e Cirurgia Vascular
pela Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular - SBACV, Marcondes
já teve oportunidade de analisar em laboratório os resultados produzidos pelo
uso das meias de compressão. "A compressão exercida por elas é graduada,
sendo maior na região pé-tornozelo e diminuindo à medida que se aproxima do
joelho (no caso de meia tipo três quartos) ou da coxa (tipo sete oitavos).
Usando a pletismografia, tive oportunidade de demonstrar que a meia de fato
potencializa a bomba da panturrilha, mas que seu efeito cessa após ter sido
retirada. O estudo foi feito em pacientes com patologia venosa, não em pessoas
saudáveis", ressalta Marcondes.
No entanto, apesar de
reconhecer os grandes benefícios das meias de compressão, quando se trata de
vê-las calçadas em pernas atléticas, Dr. Marcondes põe o pé atrás:
"Qualquer que seja a prova, o uso de meias terapêuticas não tem indicação
para corredores que não apresentem patologia. Velocista ou fundista, entendo
que usa quem precisa usar. E isso com boa indicação médica".
Coordenadora da disciplina
de Angiologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, a professora
Marília Duarte Brandão Panico forma na mesma equipe. Para ela o retorno venoso
em pessoas saudáveis, que não possuam alterações nas veias, ocorre de forma
natural, não havendo respaldo fisiopatológico que comprove melhoras no
desempenho esportivo com a utilização de qualquer tipo de compressão elástica.
"O uso indiscriminado poderá inclusive atrapalhar. A meia que não estiver
adequada ao atleta irá causar lesões de pele secundárias ao atrito. Quanto
maior for o tempo de atrito, maiores serão os danos", afirma.
O uso por pessoas saudáveis. Embora existam aplicações com algodão, na sua maioria as meias de compressão são produzidas a partir de fibras sintéticas de poliamida e elastano. Instalada em Jundiaí, próximo à capital paulista, a multinacional suíça Sigvaris produz meias cujas classes variam de acordo com as faixas de compressão. Na classe I a variação vai de15 a
20 mmHg (milímetros de coluna de mercúrio), chegando na última classe a valores
entre 40 e 50 mmHg, isto somente no modelo com tornozeleira. Para efeito
comparativo vale lembrar que a pressão arterial sangüínea humana normal é ao
redor de 120 x 80 mmHg.
O uso por pessoas saudáveis. Embora existam aplicações com algodão, na sua maioria as meias de compressão são produzidas a partir de fibras sintéticas de poliamida e elastano. Instalada em Jundiaí, próximo à capital paulista, a multinacional suíça Sigvaris produz meias cujas classes variam de acordo com as faixas de compressão. Na classe I a variação vai de
Confeccionados em série e
de forma padronizada, os modelos três quartos podem ser encontrados no mercado
nos tamanhos P, M, G e GG, disponíveis nos comprimentos curto, normal e longo.
Embora varie de produto para produto, seguidas todas as recomendações de uso e
conservação, as meias medicinais tem sua compressão garantida por quatro ou
seis meses. De acordo com a Sigvaris, atualmente ainda não é possível produzir
uma meia de compressão "sob medida" (aplicação individualizada) a
preço acessível. Mesmo não dispondo de estudos que comprovem a melhora
hemodinâmica em usuários sadios, a Sigvaris entende que para tais indivíduos o
uso será vantajoso principalmente em relação ao aumento da fração de ejeção.
Presidente da Sociedade
Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular, Regional Rio de Janeiro -
SBACV-RJ, Ivanésio Merlo pensa de forma semelhante, não vendo desvantagens
quanto ao uso por pessoa sã, desde que sob orientação médica, devendo a
prescrição levar em consideração, de forma individualizada e específica, tanto
as regiões-alvo e o grau de compressão como a circunferência e o comprimento
das pernas. "Assim como não se deve indicar um mesmo modelo de tênis para
todos os corredores, não se pode recomendar meias de compressão
genéricas", compara ele.
No entendimento do Dr.
Ivanésio, os benefícios serão possivelmente maiores no caso do uso por
fundistas profissionais, cujas provas muitas vezes são definidas nos pequenos
detalhes. Como as meias de compressão atuam principalmente em parte do sistema
venoso periférico, e sendo esse sistema responsável por apenas 5% de todo o
retorno venoso, estaria aí uma diferença. "Seja como for, essas
considerações carecem de um estudo científico mais apurado", salienta
Ivanésio.
Meias de compressão para
uso esportivo. O
esporte é, em si, benéfico para o retorno venoso. Mas isso só acontece sob
certas condições, que raramente são encontradas na prática rotineira. Por
exemplo, o tipo de esporte, sua duração, o nível de condicionamento físico do
atleta, a falta de treinamento e a insuficiência de repouso podem interferir na
situação venosa a ponto de provocar tanto lesões como queda de rendimento.
Durante a contração
muscular forte e rítmica, o sistema venoso profundo se beneficia da compressão
que sofre por parte da musculatura, o mesmo não acontecendo com as veias
superficiais, que carecem de tal apoio. "Como a pele é um elemento pouco
resistente, atuando como um anteparo, as meias cumprem perfeitamente essa
função, protegendo e impedindo a dilatação das veias quando há o aumento
substancial do volume sangüíneo durante a prática desse tipo de atividade
física", esclarece a Dra. Cleusa Belczak.
Co-autora do "Tratado
de Flebologia e Linfologia", membro do Grupo
Internacional de la
Compresión e Doutoranda em Cirurgia Geral pela
Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Cleusa Belczak não
acredita que o desempenho de atletas saudáveis possa exatamente melhorar com o
uso de meias de compressão, mas afirma que essa seria uma medida a favor da
preservação do capital venoso periférico do indivíduo. "Sabe-se que o
esporte competitivo é fator de risco para o desenvolvimento de hipertensão venosa
crônica no sistema superficial dos membros inferiores, daí surgindo as chamadas
‘varizes dos esportistas'. O uso das meias de compressão reduz esse
risco", diz a médica.
Embora velocistas corram
provas de curta duração, e fundistas passem horas correndo, Dra. Cleusa afirma
que mesmo saudáveis e sem indicação terapêutica para o uso de meias de
compressão, nenhum dos dois tipos de atleta terá prejuízo caso decida usá-las.
"A contensão elástica certamente diminui a sensação de cansaço e de peso
nas panturrilhas, e isso só pode favorecer o desempenho, principalmente dos
fundistas. As meias de compressão aceleram de fato o retorno venoso. Este
fenômeno deve, por sua vez, promover uma diminuição do esforço cardíaco, que
conseguirá então mandar sangue arterial para a periferia com um menor número de
batimentos. O problema está em medir, em quantificar, em dar números confiáveis
a tudo isso que em nosso entendimento dedutivo parece ser absolutamente
verdadeiro", conclui.
Os números, onde estão os
números? Nascido
em Viena, na Áustria, em 1938 e tendo mais de 360 trabalhos publicados, Dr.
Hugo Partsch é considerado atualmente a maior autoridade mundial em Flebologia
e Linfologia, ramo da medicina que estuda as enfermidades que acometem as veias
e os linfáticos. Perguntado se o uso de meias de compressão por atletas poderia
de fato aumentar o VO2 máximo e reduzir o ritmo cardíaco, Dr. Hugo
disse à CR em
31 de janeiro o seguinte: "Infelizmente não posso responder. Não tenho
conhecimento sobre dados que confirmem o que dizem os fabricantes. Isso não
significa que não acredite que a compressão tenha valor para o esporte. Mas
acreditar não basta. Precisamos encorajar os fabricantes a fazer pesquisas e
não simplesmente distribuir opiniões".
Citado no Estudo Piloto Oxysox, James M. Pivarnik foi um
dos precursores nos estudos envolvendo o uso esportivo das meias de compressão.
Em julho de 95, trabalhando no Laboratório de Pesquisas em Energia Humana da
Universidade de Michigan e pesquisando alunos sadios, teria demonstrado que as
meias Oxysox (marca comercial) aumentavam o VO2 máximo entre 2 e
2,5%. Entramos em contacto com o Dr. Pivarnik e fizemos a ele as mesmas três
perguntas dirigidas ao Dr. Hugo. Em 1º de fevereiro ele nos respondeu nos
seguintes termos: "Não tenho trabalhado com esse tipo de meia há muitos
anos, e só o fiz nas etapas iniciais. Assim sendo, não sou provavelmente a
melhor pessoa a ser perguntada a respeito. Desculpe". Para um precursor,
foi pouco. Foi mal.
Michael P. Caine também
pesquisou as meias de compressão. Fez isso trabalhando com o Grupo de Pesquisa
de Tecnologias Esportivas da Universidade Loughborough, Inglaterra. Na ocasião
teria demonstrado, entre outras vantagens, que o uso das meias possibilitava
correr mais rápido com freqüência cardíaca mais baixa. Também falamos com ele.
Em 7 de fevereiro as respostas vieram em frases curtas: "Não tenho
conhecimento de nenhuma pesquisa mostrando aumento de VO2max. Meias
médicas de compressão graduada aumentam o retorno venoso, reduzindo a
freqüência cardíaca desde que o débito cardíaco se mantenha inalterado. A meu
ver os maiores benefícios são a limpeza metabólica dos músculos fatigados e a
redução dos danos mecânicos devido às vibrações, ambos levando à redução das
dores musculares". Nada de números.
Enquanto os números não
aparecem e as teorias carecem de confirmação, se no começo desta matéria você
ainda tinha esperanças de que a maravilhosa meia poderia transformá-lo num
campeão tipo Paula Radcliffe, agora que a leitura chegou ao final e a meia
verdade apareceu, talvez esteja na hora de parar de sonhar e começar a levar os
treinos mais a sério. Fazendo isso seus resultados certamente serão mais
garantidos. Seja como for, não esqueça: caso pretenda experimentar as meias,
converse antes com seu médico.
SERVIÇO
- Sociedade Brasileira de
Angiologia e Cirurgia Vascular - Rio: www.sbacvrj.com.br
- Meias elásticas
medicinais: www.meiaelastica.com.br
- Sigvaris do Brasil: www.sigvaris.com.br
- Meias esportivas de
compressão:
Òtima materia. Eu só corro com estas meias. A diferença é total. Um abraço.
ResponderExcluir